domingo, 29 de setembro de 2024

CONTO AUTORAL: "MEMÓRIAS DE DONA ROSA"

"Memórias de Dona Rosa"

Por: Rafael R. Rosa

Inácia Carolina de Carvalho Albuquerque é uma adolescente curiosa e instigante que vive no interior de Minas Gerais, numa cidadezinha chamada Brocas de Ituá. Criada numa família distinta, daquelas bem típicas da região, Inácia é filha do Coronel Eusébio Albuquerque e de Dona Ana Rosa de Carvalho. Desde pequena, Inácia recebeu princípios elementares da boa educação, o que se espera de uma menina das idades de 1930. Tocava mazurcas, polcas e motetos que foram ensinados pela professora de piano clássico, D. Eslovênia Astrut. Cantava lindas árias de ópera e vivia sonhando em ganhar os palcos de Paris, assim como sua tia Albimira, que usava o pseudônimo parisiense Carmela Clandel e fugiu com o namorado Júlio, um caixeiro viajante viciado em apostas que adorava explorar o mundo.

Inácia também era dotada de notórios saberes que herdou de sua mãe, que herdou de sua avó. Sabia cozinhar, tricotar, bordar, pintar e costurar. Amava copiar os modelos de vestidos das revistas de moda com lindas mulheres esguias de cintura fina, criando godês que somente seus vestidos tinham, fazendo inveja a qualquer moça de Ituá.

Certo dia, Inácia desceu ao porão de sua casa; sabia que lá era um bom lugar para explorar um mundo paralelo que possivelmente seus pais lhe haviam escondido. Dentro de um baú repleto de fotografias e cartas antigas, Inácia descobre um livro velho de capa vermelha contendo um símbolo que remetia à ideia de uma estrela invertida: sim, era um pentagrama. Sem saber ao certo do que se tratava, Inácia abre o livro, que logo no início trazia os dizeres em latim: "Sic Itur Ad Astra" – que significa "Assim se vai aos Astros". Sem entender do que se tratava, Inácia sentiu um calafrio na espinha; algo dentro dela pulsava como se o livro a chamasse... Com um leve tremor nas mãos, Inácia virou as páginas amareladas e encontrou rituais de séculos atrás. Mas a quem poderia pertencer aquele livro? Ao que se sabe, no porão de sua casa estavam os pertences de uma bisavó que não chegou a conhecer, chamada Rosa. Seria este livro um segredo encoberto por seus pais, que todos os domingos frequentavam a missa rezada em latim pelo pároco Amoroso? Ele era manso e gentil apenas no nome, já que odiava crianças e meninas curiosas que lhe fizessem perguntas cabeludas — como aquelas pautadas em anos de estudos de exegese: Qual o sexo dos anjos?

Sem pestanejar, Inácia guarda o livro com medo de ser descoberta e decide que não iria mais tocar nas coisas de sua bisavó; afinal, aquilo que é oculto não lhe era permitido.

Durante a madrugada, uma corrente de ar entrou pelas portas do seu quarto e, junto com uma brisa impetuosa, Inácia sente que deveria ir até o porão e pegar o livro que durante bons anos ficou escondido. Era como se a energia do livro estivesse conectada à sua energia e os dois — a partir daquele momento — fossem um só. Inácia fechou os olhos e como num levitar ligeiro estava no porão de sua casa. O livro mágico pulsava dentro do baú pedindo para que seus escritos antigos fossem lidos. Certamente os dois eram um só e com isso um mundo começaria a ser descoberto.

A partir daquele momento, Inácia percebeu que havia cruzado as fronteiras entre os dois mundos e já não era mais a mesma. Conectada aos seus ancestrais que praticavam magia há séculos, Inácia fora escolhida para receber os poderes daqueles que viveram antes dela. Entre a maravilha e o assombro, Inácia descobre que o livro não era apenas um objeto, mas a chave para o conhecimento perdido e o poder adormecido dentro dela. Decidida a viver o propósito para o qual fora chamada, Inácia escuta ao longe uma voz grave chamando seu nome; a voz era tão intensa que ecoava pelos cômodos da casa. De repente, a voz foi ficando cada vez mais forte e próxima. Inácia abraçada ao livro é acordada pelo pai, Coronel Eusébio; era o dia do teste de proficiência que a habilitaria para lecionar no jardim da infância. Sem entender se o que tinha vivido era ilusão ou realidade, Inácia inicia ali uma longa jornada nos estudos do ocultismo; afinal, um novo propósito lhe fora lançado.

Imagem da internet sem menção de autoria